Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1569) estavam acordes quanto à responsabilidade do homem em cumprir a sua vocação através do trabalho acompanhado da honestidade e da economia. Para ambos não há lugar para ociosidade na vida do cristão. Com isto, não se quer dizer que o homem deva ser um ativista, mas sim, que o trabalho, sua natureza e resultados são bênçãos de Deus.
Lutero teve uma influência na ética do trabalho. Na tradução para o alemão do Novo Testamento (1522) das palavras “trabalho”, “ocupação” como beruf em lugar de arbeit, acentuou mais o aspecto da vocação do que o do trabalho propriamente dito. As traduções das bíblias do século XVI o imitaram, a palavra inglesa calling, assim como o termo francês vocation, começaram a penetrar na literatura protestante após estas primeiras traduções. Ora, não se encontra nenhuma expressão equivalente, na mesma época, entre os povos católicos e nem mesmo na Antigüidade. Sendo assim, não apenas o termo como tal, mas também o pensamento que ele exprime, nasceram da Reforma. Foi o ensino reformado, com efeito, que proclamou pela primeira vez que a atividade profissional e a função social tinha um valor não somente moral, como também essencialmente religioso. O que agrada a Deus não é o ascetismo dos monges, mas, bem pelo contrário, o consciencioso exercício de todas as atividades profissionais e seculares que o homem executa na vida diária. É à minuciosa execução dessas tarefas que o homem é chamado por Deus, são elas que constituem o objeto de sua vocação. [ver André Biéler, O Pensamento Social e Econômico de Calvino, (São Paulo, SP: Casa Editora Presbiteriana, 1990), p.628]
Calvino, por sua vez, adiciona ao importante sentido ético do trabalho, dado por Lutero, mais dois pilares fundamentais que são a honestidade e economia ou poupança. Para Calvino a honestidade nos negócios, a transparência sem a qual é impossível impedir que cada um busque lograr os outros em benefício próprio é imprescindível. O capitalismo laissez-faire e selvagem são, na verdade, distorções da idéia original calvinista para uma sociedade capitalista do egoísmo em que cada um só pensa em si e usa ou engana o semelhante na medida em que sua astúcia permite. O outro pilar adicionado por Calvino é o da poupança que obedece a dois princípios: nunca se gastar mais do que se tem e sempre poupar o que não for necessário gastar. O dinheiro poupado é como um bem social que deveria ser usado pela glória de Deus e o benefício dos outros. Esta concepção de economia é calcada numa vida simples e modesta em contraste com a ostentação e o desperdício. [ver João Calvino, As Institutas, III.7.5-6; III.10.4-5]
Os reformadores conferiram ao trabalho sua dignidade. É um tremendo equívoco censurá-los por haver instituído a religião do trabalho ou do capital, como fez o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920). Se protestantes vieram a ceder a esta extravagância é porque adotaram ideologias profanas que consideram o trabalho sem levar em conta o sentido espiritual que Deus lhe confere.
Acrescentamos que o trabalho como vocação não o torna estático, mas dinâmico. A vocação de Deus não enclausura o cristão numa atividade imutável. Ao contrário, é apelo para enfrentar, de maneira flexível, as situações novas. Porque Deus, que convoca o homem ao trabalho, age sempre no contexto de uma história concreta e evolutiva, que obriga cada indivíduo a adaptar-se às circunstâncias. Assim, trabalhemos cada um conforme Deus tem chamado e administremos segundo o Senhor nos tem distribuído. (1Co 7.17) Rev. Ronaldo Bandeira Henriques.