A Bíblia revela, desde o Antigo Testamento, o coração compassivo e justo de Deus para com os estrangeiros. Em uma cultura marcada por fronteiras e distinções étnicas, o Senhor se destaca como aquele que acolhe, protege e ama o forasteiro. Essa atitude não é apenas uma instrução social, mas uma expressão do caráter divino — um Deus que se aproxima dos marginalizados e vulneráveis. Ao aproximarmos desse tema, percebemos que o cuidado com o estrangeiro não é apenas uma questão de justiça, mas também uma poderosa metáfora espiritual: todos nós, como filhos de Deus, somos estrangeiros neste mundo, peregrinos a caminho de uma pátria celestial.
No Antigo Testamento, o estrangeiro não apenas possuía alguns deveres religiosos indispensáveis — como, por exemplo, respeitar a religião dos hebreus (Lv 20.2) — mas também desfrutava de muitos dos direitos dos nativos e não devia ser oprimido (Êx 20.21; Jr 7.6; 22.3). Ele é mencionado lado a lado com o pobre (Lv 23.22), os órfãos e as viúvas (Dt 14.29; 16.11,14; 24.17; 26.13), ou seja, deveria ser tratado com carinho e respeito. Com eles, os israelitas compartilhavam os feixes deixados nos campos (Dt 24.19) e a respiga das oliveiras e videiras (Dt 24.20,21). O estrangeiro devia ser tratado com justiça nos julgamentos (Dt 24.17), a ponto de Moisés declarar em seu terceiro discurso: “Maldito aquele que perverter o direito do estrangeiro…” (Dt 27.19). Ele tinha até seu lugar reservado nas cidades de refúgio (Nm 35.15). Podemos afirmar que, com os devidos deveres e direitos, o Senhor Deus amava o estrangeiro e ordenava que o povo fizesse o mesmo: “Amai, pois, o estrangeiro, porque fostes estrangeiros…” (Dt 10.19).
O motivo desse amor de Deus pelo estrangeiro pode ser mais bem compreendido quando atentamos para aqueles que são chamados de estrangeiros no Novo Testamento. O apóstolo Pedro chama de estrangeiros, peregrinos ou forasteiros os eleitos de Deus espalhados pela face da terra (1Pe 1.1; 2.11). Como se não bastasse, o autor aos Hebreus afirma categoricamente que todos os que “morreram na fé… eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Hb 11.13). Em suma, podemos dizer que todos os eleitos de Deus são estrangeiros neste mundo, porquanto pertencem a uma pátria melhor e superior — uma pátria celestial e eterna.
Este texto nos convida a refletir sobre duas verdades profundas. Primeiro, somos chamados a espelhar o amor de Deus em nossas atitudes com os que estão à margem — sejam estrangeiros, pobres, órfãos ou viúvas. A compaixão não é opcional para o cristão; é um reflexo da graça que recebemos. Segundo, somos lembrados de nossa identidade espiritual: não pertencemos a este mundo. Como peregrinos, nossa esperança está em uma pátria eterna, onde a justiça, o amor e a paz reinam plenamente.
Que essa consciência nos leve a viver com mais generosidade e propósito, sabendo que estamos apenas de passagem — mas com uma missão clara: amar como Deus ama. Rev. Ronaldo Bandeira Henriques